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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Anonimato Vigiado


Olhos atentos, vigias eletrônicos, movimentos calculados. Olhe ao seu redor. Não se pode negar: todos estamos sob o olhar de alguém, sob o julgamento de alguém. Desde a hora que levantamos da cama e saímos na rua, inconscientemente agimos de modo que não seja ofensivo para nossa própria imagem e para não ferir as boas morais da sociedade.

Em um de seus livros - “Vigiar e Punir” - o filósofo Michel Foucault analisa por etapas os métodos para se punir um indivíduo. Em uma das quatro partes que dividem o tema, Foucault enfatiza a vigilância por meio de um Panóptico – que é um tipo de construção de torre em forma anelar que viabiliza a vigilância de todos os encarcerados em uma prisão, ao mesmo tempo.

Nós, dentro do nosso convívio, também somos observados pelo Panóptico da sociedade. Não é preciso ir muito longe para entender. Quando estamos sozinhos em casa e protegidos pelas paredes, fazemos o que temos vontade de fazer sem utilizar o filtro de auto-censura. Ao nos expormos ao julgamento de outro indivíduo, tendemos a ligar o botão do auto-policiamento: Não andamos a vontade em casa, nos preocupamos com a limpeza da mesma correndo o risco de sermos rotulados de “porcos”, renunciamos do nosso bem-estar em nome da opinião alheia.

Este panoptismo, hoje, não se restringe somente ao nosso circulo social próximo como no exemplo citado. Nossa exposição aos olhares alheios e desconhecidos é maior, talvez pelo advento das novas tecnologias em conjunto com a grande necessidade humana de ser um ser social. Todos seus conhecidos, ou a maioria deles, já se renderam às maravilhas das redes sociais e, diariamente, mais e mais. Colocamos nossas fotografias das férias passadas, ou de nossos entes queridos muitas vezes sem ter a real noção de que milhões e milhões de pessoas têm acesso à ela e podem – de certo modo – invadir a sua privacidade.

Em maio deste ano, o jornalista Felipe Milanez (editor da revista National Geografic) foi demitido de seu cargo por ter emitido no microblog Twitter sua opinião não muito amigável por uma publicação da mesma editora que até então trabalhava. Como já sabemos desde que nossas mães nos falavam ou quando aprendemos nas aulas de Física, “toda ação gera reação”. Talvez se o jornalista tivesse exposto suas opiniões somente entre uma roda de amigos, nada tivesse acontecido (e realmente, nada aconteceria). Ao escolher dividir isso com o mundo, não se percebeu que nossos pensamentos também são julgados, como julgamos o do próximo. Pensamentos contrários ao seu meio corporativo provavelmente piora a equação.

Esta eterna vigilância sobre o que pensamos, o que fazemos e se estamos fazendo de acordo com as morais da sociedade é um modo historicamente empregado para que andemos na linha. Não dirigimos tranquilos e livres, pois temos além de leis de trânsito, câmeras e radares em cada avenida e sabemos que, se excedermos a velocidade, um flash será disparado e podemos, assim, aguardar uma carta com a foto da placa do carro. Sabemos que é no foco de muitos flashes de paparazzis que muitos artistas ficam loucos ou acabam com a própria vida. Exemplos mil.



Vigiar, punir, são termos ligados quase que completamente. Não se pode safar um criminoso, assim como não se pode safar um operário do jornalismo com pensamento crítico. Cedo ou tarde, iremos arcar com as responsabilidades das coisas que praticamos agora. E a tendência é que cada vez mais a nossa preocupação com o que podemos – ou não – fazer invada nossas casas e os lugares seguros que buscamos para respirar por cinco minutos.

E o que seremos nós anônimos quando, um belo dia, não podermos ter nossa privacidade de cada dia? Robôs? Eternos participantes de um enorme BigBrother? Ou as duas alternativas valem a resposta? Diga: Xis.


(por Letícia Cruz)

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